Era uma noite como as outras, até baterem à porta da parteira. Um homem moreno que ela desconhecia, aflito, pediu-lhe para acudir a mulher, que lhe tinham rebentado as águas. Partiram então, até chegarem a uma mina comum, daquelas para acumular água das regas. O homem fez um gesto e a mina abriu-se, revelando um túnel de paredes douradas. Embora assustada, a parteira seguiu-o até a uma sala luxuosa, e dando com a mulher em contorções, fez-se ao trabalho.
O menino nasceu saudável, e o casal de mouros não conseguiu conter toda a sua felicidade. Em tom aliviado, o homem apontou para uma bacia dourada, e insistiu para que a parteira lavasse muito bem a cara.
Mas a parteira, tão admirada com o luxo e a magia de toda a casa, lavou apenas parte dela, distraídamente.
Agradecido, o mouro despejou-lhe uns punhados de carvão no avental.
A parteira seguiu então para casa. Pelo caminho o carvão foi parecendo cada vez mais pesado, e ela foi deitando alguns pedaços fora. Quando chegou a casa, despejou o carvão numa caixa e foi dormir.
Tal não foi a surpresa da parteira quando no dia seguinte, ao ir buscar carvão para acender o lume, se deparou com várias pepitas de ouro.
Mal comeu, re-fez a caminhada da noite passada e recolheu os pedaços de ouro de que se tinha livrado no dia anterior até à entrada da mina, de novo uma mina normal, sem túneis ou magia.
A parteira contou ao resto da vila sobre o túnel e as paredes de ouro, e muitos procuraram dentro da mina, mas nada acharam senão morcegos e aranhas.
Desistindo do mistério, a parteira gastou o seu ouro em vestidos bonitos e viajava de coche. E era um dia como os outros que foi à feira de Abrantes em busca de mais vestidos.
Vagueando pela feira, a parteira avistou, meio enevoado, o mouro a quem ajudara na mítica noite.
Contente por não ter imaginado tudo, a parteira foi dizer-lhe olá.
O homem pareceu confuso. Perguntou-lhe se ela o conseguia ver. Ela respondeu que sim, mais ou menos, e o mouro percebeu que ela não teria lavado a cara toda. E exclamou, “de que olho é que me consegue ver?”, e a ela respondeu, “do direito.”
Sem dizer uma unica palavra, o mouro puxou duma sovela e vazou-lhe o olho. E a parteira nunca mais viu o homem até ao fim dos seus dias.