A pastorícia foi ao longo dos tempos uma atividade económica importante nos territórios de interior, sendo que no Sardoal, em freguesias como Alcaravela e Santiago de Montalegre, praticamente em todas as casas e casais existia mais que uma cabeça de gado.

Agostinho Esperto é o único pastor do nosso Concelho, trocando um emprego bem remunerado por esta actividade em desuso.
Guardador de ovelhas e cabras reparte as horas entre a Vila e o Telheiro, continuando o legado da família. Sente-se livre e feliz. Fomos ao pasto ver dele…

Percorrendo dois quilómetros para lá do perímetro urbano da Vila, passando pela histórica Fonte Velha e pelo imponente Sobreiro da D.ª Maria, emboca-se à esquerda pelo irregular caminho que atravessa a mata até Casais de Revelhos. Chega-se à zona central do Telheiro.
O verde escurecido das oliveiras idosas, as ruínas de pedra das casas e celeiros, as noras moribundas já cobertas de vegetação, dão-nos os sinais de quando esta herdade vivia tempos de abundância sendo cenário de muita vida e trabalho. Agora, os cerca de 40 hectares do seu solo são aproveitados para a pastorícia.
Neste território, que se estende do dito sobreiro à Zambujeira e que se finda no lugar chamado Horta do Nogueira, habitam as 232 cabeças de gado ovino e caprino, guardadas por Agostinho Esperto, o único pastor sardoalense em actividade plena.
É natural, por isso, que enchendo o silêncio do espaço vazio, apenas quebrado pela movida das folhas nas aragens, se oiça, lá longe, o cântico contínuo dos badalos e chocalhos em movimento. Também emerge algum balido mais agudo e os latidos intermitentes dos cães.

O pastor
Uns passos adiante e somos barrados pela pequena matilha de quatro animais, donde sobressai a “Kika”, a fêmea líder que protege o pastor e o ajuda a pôr ordem nas ovelhas mais afoitas que se deixam tresmalhar. Do fundo do campo, atento ao desassossego dos bichos, recorta-se a silhueta de Agostinho. Vem em nossa direcção.
Dizem os versos da popular canção que “ao romper da bela aurora, sai o pastor da choupana” padecendo por males de amor. Não é o caso de Agostinho. Este jovem de 34 anos (nasceu ali mesmo, no Telheiro, em 6 de Maio de 1976) fez a sua opção de vida sem qualquer dor ou sofrimento. Detentor de um bem remunerado emprego na fábrica “Mitsubishi”, em Tramagal, trocou todas as regalias daí inerentes para se fixar na Vila, continuando o legado rural da família, em especial do avô, Agostinho Cristóvão, há muitos anos rendeiro daquela propriedade, pertença de José Grosso Prates, de Alferrarede.
De nome completo Agostinho Manuel Cristóvão Esperto, o homem que temos à nossa frente diz-se livre e feliz. Não se considera um solitário e valoriza a pacatez da função, “a vida calma e saudável”, sem o stress dos dias agitados. A sua relação com a natureza é óbvia. Conhece cada canto do terreno, os seus segredos, os seus ciclos, os seus perigos e encantos. E conhece também cada animal, um por um, as suas manhas, os seus hábitos. Protege-os com desvelo e competência, sabe as fórmulas para algumas curas, assiste aos partos, constrói empalas se, às vezes, quebram as pernas. Está sempre atento a alguma ameaça inesperada. Refere com orgulho que “se alguém colocar quatro ou cinco das suas ovelhas num rebanho diferente”, ele consegue reconhecê-las num instante.

Vida ocupada
Agostinho diz que a pastorícia “é um regresso às origens, às coisas que conhece desde pequeno”. O seu rebanho, constituído essencialmente por peças “marino” preto e branco (a raça tradicional da nossa zona), preenche-lhe todo o tempo “365 dias por ano, 24 horas por dia, faça chuva ou faça sol”. Às seis da matina já está na cerca, no Vale da Gala, contando as ovelhas e cabras, encaminhando-as para os pastos. Depois vai levar os sobrinhos à escola e regressa ao campo. À tarde faz o inverso. Regressa a casa já a noite se faz madrugada. Dorme menos de seis horas.
Vivendo do rebanho que é seu, o jovem pastor recebe algum apoio de programas comunitários para esta área e completa o orçamento com a venda das crias e da lã das tosquias, embora esta última “não dê para nada”. Aproveita ainda algum leite para fazer queijos, mas sem carácter comercial. Não esconde que o enquadramento legal em que se situa a “pastorícia intensiva ou em regime livre” é um mar de “complicações burocráticas, que só o amor à camisola vai justificando”. O seu gado está todo em conformidade com as leis. Todos os exemplares estão vacinados, selados e ostentam as marcas auriculares onde consta o número de registo. Faz questão de confirmar o que diz e exibe-nos várias ovelhas ao acaso que ostentam os algarismos nas orelhas.
Trocada a prosa e feitas as fotos entre o rebanho agrupado para o efeito, já a “Kika” se acalmou vigiando à distância os visitantes do dono. Agostinho regressa à lida e embrenha-se mata dentro. Os badalos vão tinindo lá longe e a calmaria regressa ao Telheiro. Ainda há coisas assim…
M.J.S.